sábado, 29 de janeiro de 2011

Histórias que meu pai contava

Quando fui estudar em Salamanca, na Espanha, pensava que seria a oportunidade ideal de "não ser ninguém".
Sem sobrenome, vínculos afetivos ou sociais alimentava a doce ilusão que seria chance única de seu EU.
Antes mesmo de completar 48 horas de estadia naquele pais fui para um festa promovida pela escola.
Uma espécie de boas vindas ao alunos recem chegados de todas as partes do mundo.
Era uma Torre de Babel, muita tequila e a constatação que meus valores estavam grudadinhos a mim estivesse eu onde estivesse.
Nunca em todo minha vida fui tão  filha dele..
Eu amava ser a filha do padre.
.Era meu eixo.
 E escolher minhas atitudes livre de qualquer "cobrança" me fazia muito mais próxima de tudo que vivi, senti e aprendi com papai.
Hoje, anos depois, lembro das histórias de meu pai.                         
Lembro quando ele falava do Padre Elias, seus ensinamentos, sua trajetoria.
Lembro quando ele me ensinava o valor de estudar contando sua história de menino pobre e orfao de pai.
Que com 13 anos atravessava uma lagoa com a batina na mão para guardar o dinheiro da canoa pra mandar pra voinha comprar comida pra mainha e titia. E passava o dia todo com a roupa  molhada por debaixo da batina.
Lembro que aprendi a gostar de ler com ele. O estimulo vinha dos livro que  trazia das Paulinas quando ia a Recife.(ainda tenho alguns...)
Mas foi escutando ele contar que suas leituras eram feitas na porta do Padre chefe do seminário para aproveitar a luz do seu quarto que era o único que ficava acesso toda noite. ja que ela nao tinha direinho para comprar livros, ela pegaa emprestado dos amigos.
Lembro das histórias do professor de latim e algumas frases em italiano.
Foram essa histórias que despertaram meu interesse por línguas.
Hoje me comunico em 3 idiomas e me preparo para começar mais uma. E não é dificl imaginar porque as latinas me encantam com mais força.
Também lembro quando levava vitamina para ele na prefeitura e falante como sou puxava conversa. E escutava; " aqui é lugar de trabalho. Coisa séria " E quando acabava a vitamina se despedia com uma frase feita "perto de quem come, longe de quem trabalha". Era o Seu Cremildo...Meu pai!
Lembro da cara fechada e dos "nãos" que recebia quando pedia para ir em algum lugar com o carro da prefeitura. A resposta sempre começa com estou prefeito, não sou prefeito. Aprenda que voce so pode contar com o fruto do seu trabalho.
Fui crescendo assim. Frases curtas, fortes, verdadeiras.
Com 13 anos ele me deixou na porta do colégio Diocesano de Caruaru e me disse.
A partir de agora você vai ficar perambulando entre Gravatá, Caruauru e Bezerros.
Estou oferecendo a você educação e confiança. Se não quiser estudar sabia que enquanto vida voce tiver pode aprender, estudar. Mas se perder a confiança nunca mais reconquistar. Me entregou uma envelope com dinheiro pra as despesas da semana e foi embora.
Aqui estou, 38 anos, pedagoga, tenho o Retalhos, independente, cidada do mundo, fazendo e amando minha pós. e cheia de sonhos pra os proximos 4 anos.

Fiz minhas escolhas, trilhei minhas estradas, sou Ana Paula.Tenho minha história.
Discordei de muitas posicões dele, briguei por diferenças ideológicas, me irritei com atitudes.
Tivemos nossos cacetes.E Graças a Deus tivemos.
Era um pai  de carne e osso. Com defeitos e qualidades.
Mas o amei e amo e construimos uma relação de respeito entre pai e filha
Entre tantas historias que vivi na minha vida ser filha desse homem me fez muito melhor, muito maior e muito mais feliz.
E hoje 12 anos depois de sua morte outra vejo o nome do Padre Cremildo metido em uma polémica.
Ele era polémico. Como nao ser polémico quando se é intenso, verdadeiro e pouco simpático???
Agora um parque batizado com o seu nome é subustituido por outro nome causando revolta e manifestacoes na cidade.

E "Seu Cremildo", agora somos nós, seu filhos que lutam por sua história, seu nome, sua memória.
Não aquele memoria "IN MEMORIAM". Essa não precisamos lutar.. O senhor é imortal pra gente.
Mas a memória da cidade onde o senhor dedicou sua vida.
Seja como padre ou como prefeito.
Para mim e Paulinho suas histórias já geraram novas histórias: nossas realizacoes pessoais.
Mas lutar para que seu nome permaneça no parque é só, "solamente", fazer nossa parte na história para que suas histórias siga sendo contada.

Sou fã de seu obra.
Sou fã desse pai-padre-prefeito
Só fã das histórias que você contava.

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