sábado, 15 de janeiro de 2011

Quase Memória



Quase uma memoria

Entre servir uma mesa e checar o funcionamento da cozinha encontrei do lado de fora do Retalhos um cliente contemplando a torre da Globo que muda de cor.
Em silêncio, enquanto fumava obsesava a expressão daquele senhor.
Algo tão familiar ele me fazia sentir...quase uma memória.
Mas eu não sabia o que.
De repente ele me olha. E comenta da beleza da torre, das cores.
Frases soltas mas carregadas de emoção.
Sigo em silêncio e mais forte a familiaridade se faz.
A magia  Rua da Aurora se torna mais explicita com o soprar do vento.
Quando vejo aquele senhor abrir o braços e correr brincando com o vento.
E sei la porque vi ROBERTO  RODRIGUEZ diante de mim.
....Mi Rober.
O senhor que cuidei durante 11 meses, portador de Alzheimer
Era isso!!!!!!!!!! Aquele senhor me reportava a Roberto.
Suas frases soltas. As tentativas de expressar o que já tão tinha registro na memória.
Eu seguia calada. Olhando, me emocionando.
E agradecendo a vida por te me dado a oportunidade de ter Roberto em minha vida.
Em aprender a conviver com uma doença tão desafiadora e ao mesmo tempo poética.
Onde tudo é esquecido. Tudo é quase memória.
Dor, alegria, lágrimas,amores.
Tudo misturado...dividido...Mesclado
Meia palavras. Metáforas. Pleonasmo.
E tudo mais que a poesia permite.Isso é o Alzhemer.
(Bueno!!!!Foi assim para mim)

Meus pensamento foram interrompidos pelo o senhor que me avisava voltaria ao interior do Retalhos
Mas antes rir outra vez e diz:
Nasci para ser poeta.
E eu pergunto :
O senhor é poeta????
E com um ar serio responde:
Minha vida é uma poesia.
Não é lindo a torre????
Adoro as cores.

Fiquei pensando o porque daquele homem me fazer lembrar Rober.
Bom, não deu muito tempo de pensar porque alguém me chamou....

Já no fim da noite voltei a encontrar o senhor.
Dessa vez, enquanto eu " recolhia as mesas".
Fui retirar um garrafa cerveja vazia quando o senhor meio irritado me disse que não.
Que a garrafa era sua.
Rapidamente, a moça que estava ao seu lado se aproximou de mim e explicou que ele era portador de Alzheimer  em estágio pouco avançado.
Outra vez me emocionei.

Em algum lugar dentro de mim estavam os registros das vivências com Roberto. Que me permitiram a associação, ainda que inconscientemente.
O não saber que ele era portador de Alzheimer me permitiu trocar, aprender e sentir.

Ufa!!!! Segui limpando as mesas. Mas a cabeça voava.
Pensava em André Lapierre, na minha terapia, na formação como Psicomotricista Relacional.
Mas em especialmente, pensava carinhosamente  em Roberto.
Que recentemente faleceu.

Já em casa, depois de um banho,no silêncio e penumbra da sala me pego  outra vez pensando na minha relação com Roberto e com a doença.
É deve ser isso que André Lapierre falava... olhar o individuo e não a patologia.
Deve ser isso...deve ser isso....

2 comentários:

  1. Eita, Paulinha, mais um texto bonito, leve, suave,sensível. Roberto deve estar adorando..
    Por estas e por outras é que Palavra Cantada fez pra você: "ser assim é uma delícia, desse jeito como eu sou, de outro jeito dá preguiça, sou assim, pronto, acabou!"
    beijos, saudade.
    Isolda

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  2. Eita Zozó, chegar em casa morta, cheia de dor na coluna e receber um carinho tao lindo e doce como teu comentário é um balsamo.
    Ahi desencanto todoas as palvras so pra ficar encantada por "ocê"
    Cheiro

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